Me afastar de você me fez bem
por Stella Florence
Você me pergunta se estou bem.
Preciso ser sincera e dizer que, sim, estou, pois me afastar de você me fez bem.
Poderia ser despeito meu, vingança, desejo de te humilhar, orgulho ferido, mas não é. É apenas verdade: me afastar de você me fez bem.
Aquele catarro que me congestionava o corpo, aquele arado de lembranças retalhando minha alma, aquele contínuo e desenfreado tesão sem deságue, sem encontro, sem saliva, tudo isso serenou: me afastar de você me fez bem.
“Não posso te dar o que você deseja” não é uma frase agradável de se ouvir. Nunca foi. E eu a ouvi de você (tudo bem, era a verdade). No entanto, me dou conta de que, do mesmo modo, eu também não posso dar o que você deseja de mim. Não posso me fatiar, não posso ser apenas sua amiga, não posso sequer fingir que te dar meu corpo iria ser agradável: não seria. Meu corpo não é zumbi para caminhar sem alma pelas camas desse asfalto selvagem: sem a minha alma e sem a alma de quem se deita comigo, eu não quero, eu não gosto. Então, me afastar de você me fez bem.
Não há razão para um corte absoluto, não pretendo nem quero te transformar em inexistência na minha vida, seria o mesmo que jogar fora o bebê rosado junto com a água insalubre do banho, mesmo assim, tenho de convir que me afastar de você me fez bem.
Eu escolhi aceitar a impossibilidade de nós e não ficar parada nesse solo pedregoso que você me reservou: minhas boas sementes não recebem ar ali, não recebem água, mal tem espaço para esticar suas raízes. Eu segui viagem. E me afastar de você me fez bem.
Ter um poço aberto no peito é vital, é bom, é dali que se retira a água mais pura. Fazer, porém, desse túnel vertical uma morada, cravar cordas-cadeiras nas suas paredes úmidas, se alimentar dos insetos que rastejam pelas suas pedras, não, isso não. Essa escolha eu já fiz antes – e não me serve mais. Porque o que eu escolhi agora foi me afastar de você – e me afastar de você me fez muito, muito bem.